Dia Internacional do Riso. AFINAL CÁ, COMO SE CHAMA A NOSSA CIDADE?
Painel (Átrio do Município de Castelo Branco) (Técnica Mista)
(Ele estava sentado com uma ovelha ao
colo e trauteava a introdução da canção Saudades da Beira)
— trálarilalála trálarilalála
trálarilalála trálarilalála, trálarilalála trálarilalála trálarilalála
trálarilalála, trálarilalála trálarilalála …
(O Primeiro Outro entra e chega-se a Ele)
— Bonita melodia! Desculpe que o interrompa.
— Está desculpado. Não sei é se esta
minha amiga desculpa! Estava a embalá-la e agora…
— A embalar uma ovelha?
— Ovelha? Qual ovelha?
— Essa!
— Mas esta non é uma ovelha!
— Essa agora!
— Non é agora, quinda é nova, mas há
de ser, quando crescer, e se lá chegar!
— Quando crescer e se lá chegar?
— Tão pois, nunca se sabe, non é?
Podemosia come-la antes, enquanto for uma onova, e pode muito bem non chegar a
ovelha! Ah! Ah! Ah! Ó velha, ó nova, tá ver a ver, non tá?
— Mais ou menos. Mas já agora, se não
importa, pode-me dizer que lugar é este aqui?
— Aqui? Aqui é cá.
— E cá como se chama?
— São Martinho.
— Pois, senhor Martinho, como se chama
este lugar? É que eu estou perdido, sabe.
— São Martinho, senhor! Cá chama-se São
Martinho, monte de São Martinho.
(O Primeiro Outro mexe nuns papéis)
— Ora muito bem, se aqui é o monte de
São Martinho, ali deve ser o caminho para São Tiago de Compostela e assim aquela
cidade há de ser…
— Não, 'pere aí. Isso é lá pra trás. O
Tiago da Postela, mora lá p'ra trás, ali ó pé da Senhora de Mércules.
— Mas qual Tiago, qual carapuça!
Estava eu a dizer que pelas minhas contas, ali á frente fica a cidade que já
foi Vila Franca da Cardosa. Estou a dizer bem, não estou?
— Mais ou menos.
— Mais ou menos?
— É, mais ou menos. Agora o presidente
é o Luís Correia, mas já foi o Vila Franca, isso já. A Cardosa cá qeu saiba é
que nunca foi.
— A Cardosa? Mas qual Cardosa?
— Tão, a mulher do Cardoso. Essa non
foi de certeza!
— Mas não foi o quê?
— Presidente da Cambra!
— Ó homem, eu estou a falar-lhe do
antigo nome da cidade, Vila Franca da Cardosa. Não me diga que nunca ouviu?
— Tã non ouvi? Tou farte dóvir. Mas tá
errade! Muinte errade!
— Essa agora!
— Quer-se dizer, vossemecê diz que está
perdido, non é? Atão se está perdido, está perdido! Se quer que eu o ajude a
achar-se non se ponha para aí a amandar postas de pescada e nomes ó calha calhou,
Tiagos, Vilas Francas e Cardosos, que eu é que sou de aqui, e aqui é cá! Tá a ver?
— Essa agora!
— Non é agora, é sempre! Seja lá
franque. Olhe-me lá bem pró cime do barranque: non acha ca muralha de
Castalbranque é a modes que desmasiade jeitosa p'ra servir de mure à quinta dos
cardosos?
(O Primeiro Outro desiste e segue
caminho)
— Olhe passe bem!
— E vossemecê tamém! Se incontrar o
caminho! Olhe e se vir por lá o Tiago dê-le cumprimentos meus! (retoma o
trauteio inicial) trálarilalála trálarilalála trálarilalála trálarilalála,
trálarilalála trálarilalála trálarilalála trálarilalála, trálarilalála
trálarilalála …
(Chega o Segundo Outro)
— Bonita melodia! Desculpe que o
interrompa.
— Olha-me outro! Atão tamém anda
perdido? Já sei, vem pra saber se ali à frente mora o Tiago e fica a tal de Vila
Franca da Cardosa, non é? Pois olhe, non mora e non fica!
— Não, nada disso! Não estou perdido!
Queria saber se este é o melhor caminho para Albi Castrum.
— Ah, non é não! Pra ir à Alice Castro
vai melhor se der a volta ali por trás pela Carapalha, cali à frente tem cães,
sabe? E os cães ós que non são de cá costumem aferrar-lhes o dente.
— Não, não quero ir à casa de nenhuma Castro,
sei lá quem é a Castro, nem me interessa! Sabe, é que eu sinto que estou a
andar com alguma morosidade. Já o crepúsculo se prefigura e preciso de me
apropinquar da velha urbe.
— Non precebi patavina do vossemecê
disse. Falou estrangeiro e eu non precebi nada!
— Bem, eu disse que estou com pressa e
só quero saber se este é o caminho mais rápido para chegar à cidade que já foi
a antiga Albi Castrum, a cidade dos albicastrenses! Sabe, está a cair a noite. O
senhor deve saber, não é albicastrense?
— Eu? Non senhor. Sou Teixeira.
Alfredo Teixeira, um castalbranquense ó seu dispor, mais ó menos.
— Pois ainda bem. É que eu vou lá a um
congresso…
— Ah, o senhor desculpe, mas de cães
de gesse é que não pisco nada!
— Cães de gesso? Congresso! Bem, deixe
lá, aquela cidade ali não é a antiga Albi Castrum? Quase jurava… Desculpe, cá,
com se chama?
— Tão, já lhe disse, Teixeira!
— Ó senhor Teixeira, com se chama este
lugar aqui?
— Ah, aqui! Aqui é cá!
— E cá, como se chama?
— Ah, cá! Cá é o monte de São
Martinho!
— Pronto! É isso! E ali à frente é a
velha Albi Castrum, está a ver?
— O que ê tou a ver, non tem nada que
saber. Vossemecê seja lá franque. Olhe-me lá bem pró cime do barranque: non
acha ca muralha de Castalbranque é a modes que pouco comum p'ra ser o mure do
quintal dessa tal velha Alice Castrum? E deixe que le diga, não é lá grande
comece andar por aí à procura de cães de gesse!
(O Segundo Outro desiste e segue
caminho)
— Não adianta. Olhe passe bem!
— E vossemecê tamém! Tenha cuidade e
non tropece em nenhum cão de gesse! (retoma o trauteio inicial) trálarilalála
trálarilalála trálarilalála trálarilalála, trálarilalála trálarilalála
trálarilalála trálarilalála, trálarilalála trálarilalála …
(O Terceiro e o Quarto Outros chegam-se
perto de Ele)
— Boas tardes!
— É tarde, é. E esta assim nunca mais
adormece! Atão, tamém estão perdidos, ó vão a ter à tasca da velha Alice Castrum,
sei lá, pra comer uma sandes de atum na Vila Franca da Cardosa, ó arranjar um
cão de gesse?
— Não, não estamos perdidos. Nós somos
historiadores amadores e andamos por aqui a fazer um estudo das coisas antigas,
sabe? Estamos a participar num congresso!
— Mordeu-les?
— Mordeu-nos o quê?
— Atão, o cão de gesse! E vossemecês
estão a fazer uma participação, só queu non sou da guarda!
— Não, nada disso! Estamos a estudar
as origens das terras!
— Ah, já podia ter dito! Olhe esta
aqui começa no Pinsul! E o Pinsul vai dar ó Tejo, e o Tejo é que passa em Vila
Franca, e a haver uma Vila Franca essa é que é a tal, tá ver? Non tem nada que
saber!
— Pois, pois. E cá, como se chama?
— Se for eu, é Teixeira, se for o
sítio, é monte de São Martinho, se for a cidade, é Castal Branque e se for esta,
é Ausenda. Pronto!
— Que por acaso é um lindo exemplar de
ovelha da velha Castra Leuca!
— Olhe, vossemecê desculpe, mas a
Ausenda não é ovelha, é onova, deixe lá qeu logo lhe explico, e não é castrada
nem louca. Ainda não pariu e está muito boa do juízo, essa é que é essa!
— Ah, não é nada disso! Estamos a
falar da velha Castra Leuca que é a mãe de Castelo Branco!
— Olhem lá, vocês devem julgar qeu sou
maluco, mas estão muito enganados, óviram? Eu tamém vejo televisão e a mãe do Zé
Castelo Branco, já morreu. Quem é louca é a mulher dele, aquela velha toda
recóchutada!
— Não, a cidade de Castelo Branco é
que é filha de uma localidade muito antiga chamada Castra Leuca!
— E como o crepúsculo se prefigura nós
estamos a ver se lá à frente conseguimos lobrigar alojamento!
— Ó senhor, atão vossemecê agora tamém
me fala estrangeiro! Non precebi nada disso das lombrigas na frente! Atão as
lombrigas non é atrás, no olho do…
— Não! Alojamento! Um hotel onde
possamos dormir, lá no alto onde antes foi a velha Castra Leuca! Não sei se
está a ver!
— O que ê tou a ver, non tem nada que
saber. Vossemecê seja lá franque. Olhe-me lá bem pró cime do barranque: non
acha ca muralha de Castalbranque é assim a modes que parece pouca pra ser filha
dessa tal Castra Louca?
(O Terceiro e o Quarto Outros desistem
e seguem caminho)
— Não adianta. Olhe passe bem!
— E vocemecês tamém! (retoma o
trauteio inicial e recosta-se com a sua Ausenda) Bem, pode ser que desta a
gente consiga dormir, non é Ausenda? Trálarilalála trálarilalála trálarilalála
trálarilalála, trálarilalála trálarilalála trálarilalála trálarilalála,
trálarilalála trálarilalála…
(Começa a ressonar)
(O Terceiro e o Quarto Outros regressam
esbaforidos)
— Ó senhor Teixeira!
— Atão, já acabou o borgesso?
— O Congresso? Não, ainda
não. E é mesmo por causa disso que voltamos para trás. Você, que é de cá, é que
podia ir para frente para nos ajudar a chegar ao hotel! Mas não é preciso
correr, basta irmos mais depressa! Nós pagamos bem!
— Ah ele é ela? Tão vamos.
(Ele sai apressado)
— E
agora?
— Deixa-o ir. Quando
estiver bem à nossa frente, merendamos.
(Ele volta para trás)
— Agora, se mal ma lembro,
vou aqui esforçado, era melhor merendar, non acham? Vossemecês que são turistas
hádem ter aí uma merendazita, atão non é?
— Estamos tramados!
— O quê?
(O Quatro Outro tenta disfarçar)
— Também estamos
esfomeados!
— Tive uma ideia.
(O Terceiro Outro fala ao
ouvido do colega e aproximam-se de Ele. O Quarto Outro fala.)
— Então já temos fome?
— Vocês non sei, mas eu já
comia!
— Bem, eu estava à espera
de lhe pagar o jantar no hotel e só tenho aqui uma sandwichezinha dupla.
— A ver se eu precebi: uma
maçã do bicho duplo? Dois bichos? Bem, à falta de melhor, serve!
— Não, uma sandes!
— Atão melhor!
— Bem, mas nós também
temos fome! E a sandes não chega para os três!
— Fechamos os olhos e
imaginamos um sonho. Quem imaginar o sonho mais bonito,
fica com a sandes. Pode ser?
— Sim!
— Lá tem de ser…
— Bom,
então vamos a isso.
— E a sandes?
— Eu confio em si. Pode
guardá-la, amigo!
(Dá-lhe a sandes)
(O Terceiro e o Quarto Outros sentam-se,
costas com costas, um pouco à frente de Ele)
(Ele pensa em voz alta)
— Tão ele é ela! O gajo que fala bem
quer é dar-me a volta. Primeiro é pra'eu ir na frente, e agora vêm com essa
história do sonho. Acho que eles tão a querer dar-me a volta. Deixós pensar queu
já les dou o sonho.
(O Terceiro e o Quarto Outros fingem pensar,
descansados. Ele vira-se de costas e come a sandes. Pouco depois o Terceiro
Outro vira-se para o Quarto Outro.)
— Eh pá, já imaginei o
sonho. E tu?
— Eu também! E você amigo?
(Ele finge continuar a
pensar)
— Eu cá mal preguei olho!
Deixem-me cá continuar a ver se sonho alguma coisa!
(O
Terceiro Outro fala, com ar de gozo, para o Quarto
Outro)
— Bom, a sandes já foi!
(Ele fala, ainda a limpar
a boca com a mão)
— Ah pois foi!
— Pois eu cá imaginei
um sonho maravilhoso: parecia-me que dois anjos abriam as portas do céu e me
levavam à presença de Deus.
— Mas
que lindo sonho, o teu! Pois eu cá sonhei que dois anjos me agarraram e,
fazendo um buraco na terra, me levaram para o inferno.
— E o amigo Teixeira o que
é que sonhou?
— Atão vocês já chegaram?
— Mas nós não fomos a lado
nenhum!
— Ah não? É engraçado,
tão non é que no meu sonho eu tive a impressão que dois anjos agarraram num dos
dois e que depois de abrirem a porta do céu, o levarim inté ó senhor Deus? E
depois vieram outros dois anjos agarraram no outro, abriram um buraco no chão e
foram intregá-lo no inferno! E eu pensei: olha já non vamos para a Castra Louca!
Aqueles dois já non voltim mais, coitados! E, vai dái, comi-a!
— A
quem?
— À sandes! A quem óvera de ser?
— E onde?
— Sim, onde?
— Ora, aqui
a olhar ali prá cidade que fica no barranque. P'ra Castalbranque que non é Vila
Franca e onde vocês achim que mora a Alice Castrum e a Castra Louca. Atão
vamos? Pode ser ca gente incontre um cão de gesse! (Levanta-se começa a andar,
trauteando) Trálarilalála trálarilalála trálarilalála trálarilalála,
trálarilalála trálarilalála trálarilalála trálarilalála, trálarilalála
trálarilalála, ó Castalebranque castalebranque, mirande o cime da serra ai
mirande o cime da serra…
(Entretanto chegam esbaforidos o
Primeiro e o Segundo Outros, que se dirigem a Ele)
— Ó amigo, afinal,
enganou-se!
— E bem enganado!
— Eu?
— Sim, você mesmo!
— E enganei-me no quê? Tou
desafinado, é?
— Não, enganou-se no nome!
— Qual nome, se eu non lhe
disse como me chamava!
— No nome da cidade!
— Castalbranque?
— Sim. Afinal não se chama
assim.
— Atão, cá como se chama?
— Castelbranque!
— Ah, isso depende!
— Depende?
(Perguntam todos os
outros).
— Sim, depende do sotaque.
— Do sotaque?
(Perguntam todos os
outros).
— Sim, do sotaque do
freguês. Sabem, ali no barranque, Castalbranque que non é
Vila Franca e onde nom mora nem a Alice Castrum nem a Castra Louca, aquela
cidade pode chamar-se como quem lá mora quiser, até Castelbranque ou assim.
Olha, chamem-lhe a cidade dos mil nomes, quisso nom me dá grande abalo ó
pífaro! (E canta) Trálarilalála trálarilalála trálarilalála trálarilalála,
trálarilalála trálarilalála trálarilalála trálarilalála, trálarilalála
trálarilalála, ó Castalebranque castelebranque, mirande o cime da serra ai
mirande o cime da serra…
Sorrir sorri, lá isso sim.
ResponderEliminarEscangalhar nimperiço.
FANTÁSTICO! PARA UMA PEÇA DO "VAI ENTÃO" E PORQUE NÃO PIRES...OFERECE AOS GAJOS ESTA BOA HISTÓRIA BEM ESTRUTURADA PELO DIALECTO "MIRANDEZ" DE CASTELO BRANCO GENUÍNO, SEM LIXEIRAS PLANTADAS ALI BEM PERTO DO PÔNSUL. LIXEIRAS PESTILENTAS, DE LIXO RADIOACTIVO, TÓXICO, PODRE QUE IRÃO MATAR MUITOS BEIRÕES ALBICASTRENSES. TUDO EM NOME DO PROGRESSO ,. VENDIDOS POR MILHÕES E ACOMPANHADOS NESTA MARCHA FÚNEBRE POR MÚSICA DO "VARIAÇÕES"...QUANDO A CABEÇA NÃO TEM JUÍZO, O CORPO É QUE PAGA.
ResponderEliminarESSES NOSSOS ANTEPASSADOS TINHA A HERANÇA DA LONGEVIDADE-E APESAR DOS LIMITES NA PAISAGEM SEREM>> JÁ ALI!
PALMAS!!!!!
Também acho que poderá ir a cena...
ResponderEliminarFabulástico, o texto!!!
ResponderEliminarZé, vai...atão...
Gostei muito. A isto chama se talento
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